Mas que diabos é física quântica?

13/12/2006
Por Rynaldo Papoy
O que é física quântica? Ou, melhor dizendo, mecânica quântica? Eu também não sei direito.

Sei que ela revolucionará o século 21 como foi a Revolução Industrial, a Revolução Eletrônica, os Computadores, a Internet. Vem aí a Revolução Quântica. Há quem diga que as utilidades da mecânica quântica seriam dignas de histórias de ficção científica.

Mas como tudo isto funcionaria? Como funciona, afinal, a mecânica quântica?

Para responder a estas perguntas, desde o significado de mecânica quântica até o que o futuro nos espera, resolvi entrevistar especialistas no assunto.

DECIDI MANTER AS RESPOSTAS NA ÍNTEGRA

Decidi isto devido ao comentário do estudante Carlos Eduardo da Costa Gonçalves, um dos entrevistados: “A divulgação científica é muito importante, mas deve ser feita com cautela. Já vi artigos em revistas de grande circulação que traziam informações erradas. Estou dizendo isso porque para o público leigo é muito fácil confundir alguns conceitos. Vamos tomar como exemplo a minha área de pesquisa, a computação quântica”.

As mesmas perguntas foram respondidas por Morvan Bendinelli [[email protected]], 30 anos, de São Paulo, formado em Engenharia Elétrica pela Poli (Escola Politécnica da USP) e Carlos Eduardo da Costa Gonçalves [[email protected]], 22 anos, de Taguatinga/DF, que cursa Licenciatura em Física na Universidade Católica de Brasília e pesquisa sobre Computação Quântica em seu projeto final.

– Por que a mecânica quântica é freqüentemente misturada com sistemas esotéricos? Como começou isto?

Bendinelli:
Acredito que seja aquela mania de colocar uma roupagem de credibilidade em certas crenças. No caso do misticismo, ao empregar termos usados na Quântica, dá a impressão de ser algo mais “comprovado cientificamente”. Mas por que usar termos da Quântica, e não de outra área da Física? Simples jogada de publicidade. Dê uma olhada numa lista dos pré-requisitos para você entender Quântica e nos pré-requisitos para outras áreas da Física. A lista para a Quântica tende a ser maior, de modo que é mais difícil achar alguém que conteste a explicação pseudo-cientificista inventada pelos místicos.

Gonçalves:
Não sei como começou, mas hoje é normal colocar um termo científico para dar um tom de seriedade. O termo da moda é “quântica”. É só colocar a palavra no final de qualquer coisa que já vira um estudo científico. E o público leigo acredita.

– Quais os principais equipamentos que utilizam mecânica quântica em nosso dia-a-dia?

Bendinelli:
Mecânica Quântica é usada para explicar o funcionamento de transistores e diodos. Assim, todo equipamento eletrônico se baseia na Mecânica Quântica. Um exemplo bem simples é o cartão de memória para mp3 player, que se baseia no efeito de tunelamento para que ocorra a gravação (os elétrons tunelam por um isolante e depois ficam confinados numa parte condutora cercada de isolante, gravando assim 1 bit – este é o princípio de qualquer memória flash). Emissões laser também se baseiam na Mecânica Quântica.

Gonçalves:
Vários equipamentos já utilizam a mecânica quântica. Todo esse avanço na eletrônica se iniciou com a fabricação do transistor, que substituiu as válvulas. Para esse assunto, sugiro o livro “Aplicações da física quântica: do transistor à nanotecnologia”. Segue referência bibliográfica: VALADARES, Eduardo de Campos; ALVES, Esdras Garcia; CHAVES, Alaor Silvério./ Aplicações da física quântica: do transistor à nanotecnologia. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2005. 90 p. ISBN 8588325322.

– O que o futuro breve nos trará com relação a esta matéria, ou seja, quais equipamentos que já estão para ser lançados e utilizam esta tecnologia?

Bendinelli:
Computação quântica está entre as mais cogitadas no momento.

Gonçalves:
Não gosto de fazer previsões para o futuro. Mas já existem muitos aparelhos que se aproveitam dos princípios da mecânica quântica, como os computadores, o raio laser, aparelhos de raio x…

– Num futuro longínquo podemos imaginar uma casa quântica, que funciona automaticamente sem a interferência física dos moradores? Que abre janelas e portas apenas através de um gesto ou que percebe que os moradores estão com fome e já preparam comida sem que estes sequer se mexam ou que alertem sobre possíveis doenças?

Bendinelli:
O nome mais utilizado para a casa descrita é “casa inteligente”.

Gonçalves:
Uma casa desse tipo não é difícil de se imaginar, pode ser construída até mesmo com a tecnologia atual.

– Haverá comprimidos quânticos que uma pessoa ingira e ataque apenas o foco da doença, como um tumor cancerígeno, ou algo assim, sem provocar efeitos colaterais?

Bendinelli:
Para atingir maior especificidade, os remédios são projetados usando a biologia e a química. As regras de funcionamento da química se baseiam na Mecânica Quântica. Mas acho que o adjetivo “quântico” nem se aplica ao contexto, ao se referir a remédios com maior especificidade.

Gonçalves:
Acredito que o termo “comprimido quântico” não seja correto. Essa não é minha área, então fico fora dessa discussão.

– Nas comunicações quânticas, será possível a aposentadoria dos celulares, computadores, televisores, pois tudo se projetará através de uma tela quântica sem custo algum?

Bendinelli:
Não. A Mecânica Quântica impõe limitações físicas (“custos”) à comunicação.

Gonçalves:
Aqui também acho que o termo “tela quântica” seja desapropriado. Existem estudos na área de informação quântica, que se aproveita dos princípios da mecânica quântica para armazenar e transmitir informação. Ainda não estudei sobre isso, então também vou ficar de fora. Um livro que é referência para o assunto é “Computação Quântica e Informação Quântica”: NIELSEN, Michael; CHUANG, Isaac; OLIVEIRA, Ivan (Trad.). Computação quântica e informação quântica. Porto Alegre: Bookman, 2005. 733p. ISBN 8536305541.

UM POUCO MAIS DE MECÂNICA QUÂNTICA

Eu havia também enviado a Morvan Bendinelli mais algumas perguntas:

– Explique em breves palavras a mecânica quântica para um leigo.

Bendinelli:
Pré-requisitos: Cálculo Diferencial e Integral até a parte de equações diferenciais a derivadas parciais, e Álgebra Linear até a parte de diagonalização. Isso tudo já dá uns 3 ou 5 livros. Junte a eles um bom todo o conhecimento de Física e Matemática do Ensino Médio. Adicione agora um bom livro para iniciar o aprendizado de Quântica, como o do Moysés Nussenzveig. Isto é o que você pediu para eu resumir em poucas palavras.

– O que é o “Princípio de Incerteza” e por que Einstein o refutava?

Bendinelli:
O “Princípio de Incerteza” inicialmente foi obtido como um resultado da Física Quântica. Partindo dos Princípios de Conservação da Energia, Momento Linear e Momento angular, bem como da discretização da energia (existência dos quanta de energia), chegou-se ao Princípio de Incerteza. É um conjunto de equacionamentos que levaram a concluir que certos pares de grandezas físicas são tais que o produto dos erros associados a suas medidas deve sempre ser maior que um dado valor não nulo. Verificou-se também que era possível montar toda a Física Quântica baseada num conjunto de princípios englobando este resultado. Daí ele também ser chamado de Princípio. Os pares de grandezas observáveis que satisfazem essa condição do Princípio da Incerteza são chamados observáveis incompatíveis. Exemplos de observáveis incompatíveis: posição e momento linear; ângulo e momento angular; tempo e energia. Einstein não gostava do caráter aleatório trazido pelo Princípio da Incerteza, já que ele fazia com que fosse impossível determinar os estados futuros dos sistemas. Por exemplo, de acordo com a formulação Hamiltoniana seria necessário conhecer com erro 0 a posição e a velocidade de uma partícula num mesmo instante para determinar sua trajetória, mas o Princípio da Incerteza não permite conhecer tais grandezas em tal situação. Como Einstein estava preso ao paradigma determinista (assim como vários outros cientistas do final do século XIX e começo do XX), ele não aceitava este caráter aleatório. Chegou a formular diversos problemas para mostrar erros na Quântica, mas no final todos eles foram refutados pelos defensores da Quântica. Mas sobrou um problema importante: qual a causa do caráter aleatório? Este é o problema da interpretação da Quântica, para o qual existem essencialmente 8 soluções consideradas possíveis (das Histórias Consistentes da interpretação de Copenhagen, Interpretação de Copenhagen com forma de onda não real, idem com forma de onda real, Transacional, Consciência-causa-colapso, Interpretação de muitos-mundos de Everett, Interpretação de Bohm e Descoerência).

Atualmente, a maioria dos cientistas está inclinada a acreditar na Interpretação de Copenhagen. Recentemente, surgiram mais indícios (não provas) da Interpretação de Everett, mas ela ainda parece muito artificial (assim como um “método das aproximações sucessivas” para funções contínuas: pode-se adicionar quantos termos ou etapas forem necessários para alcançar a aproximação desejada).

– Os equipamentos quânticos são mais baratos que os tradicionais?

Bendinelli:
O que você chama de equipamento quântico e equipamento tradicional? A
Física Quântica funciona para todos eles.

– Por que não se vê muito o uso de energia quântica, como usinas solares?

Bendinelli:
Como assim energia quântica? Toda forma de energia pode ser estudada e explicada pela Quântica. Só que na maioria das vezes não vale a pena usar Quântica para desenvolver explicações satisfatórias para o uso da energia em aplicações práticas, já que a Física Clássica já daria explicações com suficiente precisão. Células solares requerem a Quântica para uma explicação adequada de como funcionam e de qual será o rendimento de uma delas, mas pára por aí. Todo o desenvolvimento do projeto de uma usina solar se baseia em termodinâmica e teoria de circuitos clássicas.

– Explique em breves palavras o funcionamento do computador quântico.

Bendinelli:
Baseia-se em Computação Quântica, a qual não conheço muito. Para entender Computação Quântica, é necessário entender Física Quântica, que requer tudo aquilo citado em (1). Sei que ao invés dos bits clássicos usa-se o Qubit ou bit quântico, o qual é formado pela combinação linear dos vetores de estado que formam a base ortonormal do espaço de estados possíveis. Os conceitos de informação de preparação e informação observada são fundamentais na Computação Quântica.

– O que você pessoalmente acredita que a tecnologia quântica trará de mais extraordinário para o mundo num futuro longínquo?

Bendinelli:
Além de Computadores Quânticos e encriptação quântica? Talvez algo como citado em “Songs of a Distant Earth” de Arthur C. Clarke. A Computação Quântica, a Lógica Fuzzy e a Lógica Paraconsistente são teorias matemáticas que lidam com coisas que têm muito em comum com a mente humana. Talvez seja possível utilizar tais conhecimentos para gerar um algoritmo que otimize um sistema jurídico. Daí para criar uma Constituição Federal totalmente gerada por computador, como citado no livro de Clarke, é “dois palito”. Mas isto é pura especulação.

– Existe alguma teoria ainda mais extraordinária e revolucionária do que a quântica, que está sendo discutida por algum pesquisador? Cito por exemplo, as experiências sobre as teses de Burkard Heim, cientista alemão que acreditava num propulsor extra-dimensional. Isto é, podemos imaginar “extra-eletrodomésticos” que utilizem outras dimensões além do espaço-tempo?

Bendinelli:
Não existe forma de medir o quanto uma teoria é extraordinária ou revolucionária. Logo, não há como comparar tais aspectos das teorias de forma tão precisa. Na minha opinião pessoal, que como eu disse é uma opinião e é minha, a Quântica foi a maior revolução na Física do século XX. A Relatividade ficaria em segundo lugar, por não explicar/relacionar um conjunto tão grande de fenômenos diferentes quanto a Quântica. Quanto à existência de outras dimensões, elas são observáveis indiretamente, mas não podemos utilizá-las. A Relatividade mostra um exemplo de dimensões extras, mas que sob certos aspectos não podemos utilizar. As dimensões extras da Quântica podem se referir às dimensões do espaço de estados, o que também depende das grandezas observadas. Neste caso, sempre estamos utilizando tais dimensões.

Carlos Eduardo da Costa Gonçalves também conclui:

Um computador clássico (os computadores atuais) utiliza bits. Cada bit está em um estado definido: 0 ou 1. Já em um computador quântico, um bit está em uma superposição de estados, 0 e 1 ao mesmo tempo, com certa probabilidade de estar em 0 e uma outra probabilidade de estar em 1. A superposição de estados é definida na mecânica quântica. Por usar essa propriedade e outras que podemos chamar esse tipo de computador de computador quântico. Perceba a diferença: no computador clássico, os componentes utilizam a mecânica quântica para implementar um modelo teórico, a máquina de Turing, que não tem nada da mecânica quântica. Já no computador quântico, o modelo teórico é baseado na mecânica quântica.

Para explicar a computação quântica em breves palavras, cito um trecho do livro Computação Quântica e Informação Quântica: “Por computação quântica e informação quântica entendemos o estudo das tarefas que podem ser realizadas pelo processamento da informação contida em sistemas quânticos”.

Deixo também alguns links em português sobre computação quântica:

Instituto do Milênio – Informação Quântica
http://omnis.if.ufrj.br/~infoquan/

Grupo de Computação Quântica
http://www.cbpf.br/~qbitrmn/

IQuanta – Instituto de Estudos em Computação e Informação Quântica
http://www.iquanta.org.br/

E uma fonte em inglês: http://www.qubit.org

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